Brasil perde o talento de Elza Soares


Morreu na tarde desta quinta-feira (20) em sua residência, no Rio de Janeiro, a cantora Elza Soares. Ela tinha 91 anos e faleceu de causas naturais.

"É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais", diz o comunicado enviado pela assessoria da cantora.

A morte de Elza Soares acontece no mesmo dia da de Garrincha, com quem teve um relacionamento por 17 anos. O craque do Botafogo também morreu no dia 20 de janeiro, mas quase 40 anos antes: em 1983.


BIOGRAFIA

Elza nasceu no dia 23 de junho de 1930, no Rio de Janeiro. De família humilde, cresceu morando em um cortiço no bairro Água Santa, na capital carioca. Nessa época já gostava da música: cantava quando ia buscar água no poço e com o pai, que tocava violão nas horas vagas.

A infância da menina, entretanto, terminou cedo. Aos 11 anos, Elza Gomes da Conceição foi obrigada a se casar com Lourdes Antônio Soares, um amigo do pai, bem mais velho que ela. Foi nessa época que ela virou Elza Soares.

Menos de um ano depois do casamento, Elza deu à luz ao seu primeiro filho. Nessa época, ela tinha cerca de 12 ou 13 anos.

Durante a adolescência, transformada em uma mulher adulta pelo casamento precoce, Elza sofreu agressões e violências sexuais que a marcaram pelo resto da vida — e que se transformaram em protestos que ela apresenta por meio de sua música.

Primeiro passo na música

A primeira apresentação pública da Elza Soares não aconteceu por bons motivos: com o filho pequeno doente, sem poder contar com ajuda dos pais ou do marido, a menina se inscreveu para participar do tradicional programa de calouros do radialista Ary Barroso. 

Pode até ser que naquela época ela já tivesse pretensões artísticas, mas o que Elza queria de verdade era o dinheiro dado aos vencedores do programa, para que pudesse cuidar do filho. Ela se apresentou no programa escondida, sem que a família soubesse. 

Planeta fome 

A figura de uma menina minúscula, que tinha só 32kg, usando roupas emprestadas da mãe, presas com alfinetes pra não caírem, chamou atenção do público e do apresentador.

Naquele dia, Elza não só ganhou o prêmio, como também disse uma das frases mais icônicas de sua carreira. 

Ao ser questionada por Ary Barroso sobre “que planeta vinha”, Elza já tinha a resposta na ponta da língua: do planeta fome. Também foi naquele dia que o radialista deu o veredito sobre a carreira de Elza, ao dizer que, naquele momento, nascia uma grande estrela. 

Uma história de muita luta

Infelizmente, a aparição no programa não resolveu os problemas de Elza. Seus dois primeiros filhos morreram ainda bebês, por causa da desnutrição.

Em 1950, teve uma filha sequestrada, e só voltou a reencontrá-la 30 anos mais tarde. Mais ou menos na mesma época, Elza ficou viúva, e teve que fazer de tudo e mais um pouco para sustentar os filhos.

Já na década de 60, Elza Soares participou de outro concurso musical no rádio, e venceu novamente. Dessa vez, ela ganhou um contrato fixo pra se apresentar semanalmente. Com o rádio e as apresentações em casas de show, Elza finalmente conseguiu começar a viver de música. 


Casamento com Garrincha e morte de mais um filho

Alguns anos depois, veio o segundo casamento, com o jogador de futebol Mané Garrincha. A relação conturbada durou 16 anos e terminou devido a uma nova onda de agressões.

Novamente, assim como no primeiro casamento, Elza sofreu violência física, que era agravada pelo alcoolismo do marido. 

Um ano depois da separação, Garrincha faleceu, deixando um filho pequeno com Elza, que ficou conhecido como Garrinchinha. O menino morreu três anos depois, aos nove anos, em um acidente de carro, somando mais uma perda na longa lista de sofrimentos da mãe.

As histórias de violência vividas durante a vida são presentes também nas músicas de Elza. A letra de Maria da Vila Matilde, que se tornou um hino do movimento feminista, é o retrato mais sincero da reação que a cantora sempre teve diante de tudo isso: resistência.

Melhor Cantora do Milênio

A voz rouca e o jeito “exótico”, como a própria Elza se define, sempre foram motivos que chamaram atenção do público e de outros artistas.

Em 2000, Elza Soares recebeu da BBC Londres o título de Melhor Cantora do Milênio. Naquela época, ela já tinha mais de 40 anos de carreira e uma longa lista de sucessos. 

Cada vez mais empoderada e consciente de sua grandeza, Elza seguiu a carreira com grandes parcerias e um sucesso crescente. Em 2015, ela gravou o álbum A Mulher do Fim do Mundo, o primeiro de sua carreira a conter só músicas inéditas.

Um acidente, uma cirurgia e uma promessa

Em 2013, Elza Soares sofreu um acidente no palco e desde então passou a se movimentar com muita dificuldade. Em 2014 ela passou por uma cirurgia em que precisou colocar 8 pinos na coluna.

Depois disso, ela só se apresentou sentada e praticamente imóvel, mas não perdeu a imponência. Elza Soares resistiu à violência, à fome, ao preconceito e até mesmo ao tempo, para se tornar um ícone da música nacional e um símbolo de luta contra a opressão.

Além da própria história e de toda a sua irreverência, Elza usa as letras de suas músicas como armas de protesto: a música Benedita, por exemplo, conta a história de uma transexual que trabalha com prostituição.

Um de seus sucessos mais recente, Negão Negra, gravado em parceria com o cantor Flávio Renegado, é um manifesto contra o racismo.


Defensora da vacina

No início de dezembro, Elza anunciou que estava com covid e fez um apelo para a importância da vacina. Ela não teve sintomas e já estava com a dose de reforço. "Você precisa escutar isso e somente eu posso te contar. Fui um susto pavoroso, mas, ao mesmo tempo, uma experiência que passei sem qualquer sintoma e venci o vírus!", iniciou ela.

"Eu tive covid, gente, e as vacinas salvaram minha vida. Fiz questão de gravar esse depoimento, de mostrar meu exemplo para pedir para vocês que vacinem-se!", pediu. "Por favor, vacinem-se! Essa doença horrorosa é muito perigosa. Viva a ciência", finalizou..

A morte

Um dia que começou como outro qualquer. É assim que Pedro Loureiro, empresário de Elza Soares, descreve os últimos momentos da cantora, que morreu nesta quinta-feira (20) aos 91 anos. 

"Ela estava bem, gravou o DVD no dia 17 e 18 de janeiro. Acordou hoje e fez fisioterapia. Tudo normal. A gente até percebeu um leve cansaço nela, uma respiração mais ofegante, mas achamos que foi por causa da fisio", lembra Pedro.

Ele conta ainda que depois desse momento, Elza pediu para descansar e começou a apresentar a fala um pouco embolada. O fato chamou atenção de Pedro e de outros familiares que estavam com ela. Mas Elza brigou com eles garantindo que estava bem.

A declaração acendeu o alerta, e os familiares foram checar sua pressão e oxigenação, e notaram uma pequena alteração.

Ambulância foi chamada

Pedro e os familiares da cantora chamaram o médico de Elza, que enviou uma ambulância para o local por precaução, mas 40 minutos depois, Elza foi mudando o semblante, até que apagou.

Velório no Theatro Municipal

Elza Soares teve a morte atestada por causas naturais e será velada no Theatro Municipal, com cerimônia aberta ao público às 12h – o horário ainda será confirmado.

O corpo será sepultado no Jardim da Saudade Sulacap, que também fará uma homenagem à cantora na capela VIP. O sepultamento será no setor do Cristo Redentor.

Com informações de Camila Fernandes

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