Pandemia, solidão e depressão: gatilhos para o suicídio

Me sinto completamente só”. “Minha vida não faz sentido”. “É uma dor insuportável”. Estas são apenas algumas frases exaustivamente repetidas por diferentes pessoas nos grupos de Facebook e Instagram voltados para deprimidos e potenciais suicidas. São milhares de participantes que descrevem sentimentos negativos, compartilham experiências, se unem em uma corrente virtual e driblam a solidão que os assola. Em menos de um mês, em apenas 23 dias de maio do ano passado, os brasileiros fizeram pelo menos 103.923 menções ao suicídio nas redes sociais. É equivalente a dizer que, a cada minuto, os internautas postaram três gritos de socorro, segundo levantamento feito pela plataforma digital Comunica Que Muda (CQM).

O estudo mostra que, em 2020, os posts ligados ao suicídio no Brasil mencionavam, em sua maior parte, pandemia, depressão e solidão. E, ainda conforme o levantamento, que já havia sido realizado em 2017 e 2018, até a forma de se comentar o assunto mudou nesse intervalo de tempo.

“Quando nós fizemos o primeiro monitoramento, falar de suicídio era um tabu tão grande que a mídia praticamente não citava o assunto. Havia até uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que não houvesse essa divulgação para evitar que outras pessoas copiassem o modelo. Mas, de lá para cá, vários estudos comprovaram que era preciso falar sobre isso para tentar evitá-lo com informações. E nós notamos, por exemplo, que os internautas passaram a se expor mais e dar mais depoimentos sobre o assunto”, conta a diretora da agência Nova/SB, responsável pelas mídias sociais do CQC, Beatriz de Carvalho Pereira.

A internet tem sido um refúgio neste momento de solidão imposto pela pandemia, mas muitos buscam ajuda por telefone.

O Centro de Valorização da Vida (CVV), que faz escuta ativa por meio de voluntários, atendeu 2,29 milhões de ligações, de janeiro a setembro do ano passado em todo o país, o equivalente a 8.507 por dia. Comparado com o mesmo período de 2019, quando foram 2,17 milhões, o aumento da demanda foi de 5,4%.

Cada um que busca esse tipo de suporte emocional tem um tipo de dor, mas algumas questões são comuns a várias pessoas. “A maior parte dos que eu atendo fala sobre a dor causada pelo medo, pela solidão, pela angústia, pela incerteza quanto ao que virá, pela dificuldade de lidar com a perda de entes queridos, de emprego, de autonomia. As pessoas estão buscando acolhimento e pertencimento para sentir que vale a pena viver”, conta a porta-voz do CVV na capital, Norma Moreira.

Muitos não encontram essa resposta: por ano, cerca de 1 milhão de pessoas no mundo acabam com a própria vida. A cada 40 segundos, uma pessoa chega ao extremo de se matar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Número de vítimas sobe 50% em todo o mundo

Além do rastro de mortes já deixado pela pandemia, a doença que desafia o mundo deixa outro impacto fatal: o do autoextermínio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa anual de suicídios, que era de 1 milhão de pessoas até 2019, deve ter batido a casa de 1,5 milhão em 2020. Dado que só será de fato confirmado após a investigação das causas de mortes ocorridas no ano passado.

O que os órgãos internacionais tentam estimar, os voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV) já identificam na prática. “O isolamento criou um quadro complicado porque, ao contrário do que se acreditava no início da pandemia, de que as famílias ficariam unidas, na prática, o que ocorreu foi aumento de consumo de álcool, conflitos familiares e até aumento da violência doméstica. A solidão aumentou, e ela é um dos fatores de alto risco para depressão e suicídio”, afirma o coordenador do CVV em Governador Valadares, Ronaldo Batista Loyola.

Estimativa

 A cada dois segundos, uma pessoa tenta se matar no mundo, já que as tentativas tendem a ser de dez a 20 vezes maiores que os suicídios consumados, segundo a OMS. Em setembro do ano passado, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) alertou que a Covid-19 poderia aumentar os fatores de risco para o suicídio.

Investimento em saúde pode evitar 90% dos casos

A quantidade de suicídios cresce à medida que a população fica mentalmente mais adoecida. A conclusão é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que garante: 90% dos casos são evitáveis.

Desde 2006, a instituição vê o autoextermínio como um problema de saúde pública, que pode ser resolvido com investimento em saúde mental.

A depressão seria responsável por 30% dos suicídios no mundo. Já o alcoolismo responde por 18% dos casos, a esquizofrenia, por 14%, e os transtornos de personalidade, por 13%.

Por Izabela Ferreira Alves, Queila Ariadne, Rafael Rocha e Tatiana Lagôa

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